sábado, 28 de abril de 2012

"Corrida armamentista atual lembra a que precedeu a Primeira Guerra Mundial', alertam especialistas

A ascensão das forças navais dos países da Ásia-Pacífico lembra a corrida armamentista que precedeu a Primeira Guerra Mundial na Europa, observam os pesquisadores Robert Frank, professor de História das Relações Internacionais na Universidade Paris-1, e Jean de Préneuf, historiador e docente da Universidade Lille-3, que trabalha para o Serviço Histórico da Defesa.

Leia a entrevista completa com os dois pesquisadores feita pelo jornal francês Le Monde.

Le Monde: As tensões no mar estão aumentando entre as potências. Elas podem piorar?

Jean de Préneuf: As relações entre a China e seus vizinhos são motivo de preocupação: a China tem realizado uma tremenda modernização de sua ferramenta naval para reforçar sua liderança regional! E seus vizinhos não ficam para trás, seja sobre ou sob a água. Isso lembra a corrida armamentista naval na Europa antes de 1914. Não se deve esquecer que as humilhações da história naval chinesa, especialmente a da primeira guerra sino-japonesa de 1894-1895, ainda estão vivas na memória.

Na corrida pelas matérias-primas, o bolo oceânico deve ser dividido com os países emergentes. Eles estão se equipando com marinhas modernas e numerosas, seja no Brasil, na Índia, na China, e até na Coreia do Sul. Pensou-se que após a guerra fria os grandes confrontos no mar haviam virado coisa do passado, mas isso está longe de ser verdade. Faz vinte anos que as marinhas da Índia e da China competem para controlar o acesso ao Oriente Médio.

Robert Frank: Estamos assistindo a uma multiplicação no número de atores. Por enquanto, continua havendo uma dissimetria entre a Índia e a China. Para a Índia, é a lembrança da derrota de 1962 para a China que permanece vívida. A questão do Mar do Sul da China é típica. Em um plano racional, consegue-se ver bem a China indo o mais longe possível, mas sem entrar em guerra. Mas podem ocorrer incidentes.

O Ocidente seria inevitavelmente afetado em caso de escalada. Os grandes podem facilmente administrar a situação entre si. O perigo vem da corrida armamentista entre os pequenos, entre os médios, entre pequenos e médios, entre médios e grandes. O risco vem da relação da China com seus pequenos vizinhos. Pode haver uma escalada em questões como as Ilhas Paracel e Spratly. O imprevisível é o erro de cálculo, como fez o presidente argentino Galtieri diante de Thatcher nas Malvinas, em 1982.

Além disso, a emergência de atores não estatais no mar, especialmente as ONGs, traz novas questões, como mostra a guerra contra a caça às baleias ou os incidentes recentes entre a Turquia e Israel.

Le Monde: As batalhas navais como ocorriam no passado são pouco prováveis de acontecer?

Préneuf: Desde o fim das duas guerras mundiais, não houve mais nenhuma batalha naval em grande escala. Mas a guerra fria foi também um confronto global no mar, que na era nuclear e dos mísseis ampliava as lógicas das batalhas do Atlântico e das grandes operações anfíbias.

Na verdade, as guerras que empregam meios navais nunca pararam desde 1945. A lista é longa: desde a Coreia entre 1950 e 1953 até a Líbia em 2011. O mesmo vale para as situações de crise. A operação americana Praying Mantis, no dia 14 de abril de 1988, aniquilou de uma só vez a frota iraniana em resposta ao bloqueio do Golfo Pérsico pelo Irã. 

Ela mostra que o mar continua sendo um espaço de conflito que envolve países terceiros, mesmo quando eles não são beligerantes diretos. Foi a guerra Irã-Iraque entre 1980 e 1988 que nos lembra que potências secundárias podem causar grandes problemas para as grandes marinhas com meios assimétricos, a começar pelas minas.

Frank:No Oriente Médio, a questão de Ormuz só se coloca em termos de batalha aeronaval, e para isso seriam necessárias marinhas equivalentes. Só que o controle dessa artéria vital também se dá na água, pois depois de aprender com a experiência dos anos 1980, o Irã modernizou sua frota e suas capacidades de ataques anti-navios a partir da terra.

No Pacífico e na Ásia Oriental, a China está voltando a ascender, mas é preciso levar em conta o fato de que ela tem outros trunfos além dos meios militares para afirmar seu domínio. A marinha pode ser uma boa ferramenta de dissuasão sem ser um trampolim para uma escalada. O papel da ferramenta naval é garantir a segurança das linhas de comunicação e mostrar sua força para que não aconteça nada. É, ao mesmo tempo, uma ferramenta de projeção de poder que pode ser dissuasiva.

Le Monde: A questão da soberania volta a ser levantada: será que ela resultará em uma corrida maluca nos oceanos ou em uma divisão do mar?

Préneuf: A questão é levantada primeiramente pelos recursos offshore. Lembremos que em 1904 a discussão mais difícil da entente cordiale entre a França e o Reino Unido foi sobre a Terra Nova, pelos direitos de pesca.

Hoje, a tensão volta a surgir nas Malvinas, agora que acaba de se encontrar petróleo e que os preços estão no auge, segundo o mesmo esquema de 1976 a 1982. Até agora, cada um tentava ampliar sua vantagem a partir de seu território, na lógica das zonas econômicas exclusivas definidas pela convenção de Montego Bay de 1982. Mas hoje a visão é global.


Fonte: Le Monde

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